A Grande Florianópolis é um território que tem particularidades que tornam o manguezal um ecossistema fundamental para proteger a população dos impactos da crise climática. No Dia Mundial de Proteção aos Manguezais, comemorado no dia 26 de julho, o Projeto Raízes da Cooperação traz uma reportagem especial sobre a importância desse ecossistema para as regiões de influência da capital catarinense.
Boa parte das cidades da Grande Florianópolis está numa área de transição entre a terra e o mar, então qualquer mudança que ocorra nesses ambientes vai ser sentida nessa área de transição. “O manguezal tem uma importância fundamental na manutenção da biodiversidade, na resiliência do ecossistema costeiro e na qualidade de vida das pessoas. Quando os impactos vêm do continente, da Serra, o manguezal é o filtro que ameniza os impactos na região costeira. Quando os impactos vêm do mar, como um evento de tempestade extrema, o manguezal é a barreira que recebe o maior impacto”, explica o Biólogo e Professor de Oceanografia da UFSC, Paulo Pagliosa.
Grande parte da capital e seu entorno, assim como outras cidades do litoral brasileiro, tiveram seu crescimento e urbanização aterrando áreas de manguezais. A especulação imobiliária e seus aterros, as obras de drenagem e o esgoto irregular estão entre as principais ameaças a esse ecossistema nesta região do estado catarinense.
“Os manguezais eram vistos como locais sujos, de mau cheiro e com lama. A urbanização levou ao corte das árvores para usar sua seiva e seu carvão, ao desvio dos cursos d ‘água em manilhas subterrâneas e ao aterramento dessas áreas. Então, após mais de três séculos de exploração da natureza, temos muitas áreas para restaurar na ilha e no continente. Nosso primeiro cálculo é a de que cerca de 1/3 das planícies costeiras da região tem potencial para serem reabilitadas com manguezal”, explica Pagliosa.
O manguezal cumpre um papel essencial na proteção de áreas já urbanizadas, funcionando como um cinturão verde em meio às cidades. “A presença desse ecossistema é uma proteção inestimável para a mitigação da mudança climática, como as ondas de calor e o aumento do nível do mar”, complementa Pagliosa.
Segundo o pesquisador, é preciso também olhar para o potencial de reabilitação das áreas aterradas. Um exemplo dessa possibilidade é o aterro da Costeira do Pirajubaé. “Ali o manguezal nasceu sobre o aterro nas áreas que tem a condição ambiental para que ele se desenvolvesse. Nesse aterro há muito espaço ainda para manguezal. Aliás, considerar o uso desses aterros para promover a proteção e a adaptação frente a mudança climática, como os eventos extremos e o aumento do nível do mar, é uma estratégia fundamental para mantermos nossa cidade saudável”.
Por esse motivo, o Projeto Raízes da Cooperação, em parceria com a Petrobras, através do Programa Petrobras Socioambiental, vem há mais de um ano desenvolvendo ações na área de restauração, pesquisa científica, mobilização social, educação e ciência cidadã, com o objetivo de contribuir com a conservação de manguezais e restingas da Grande Florianópolis.
“Quando pensamos na proteção dos manguezais logo lembramos do seu papel como berçário de várias espécies marinhas que sustentam tanto o equilíbrio ecológico dos ecossistemas costeiros como também a pesca”, reforça o pesquisador.
O Projeto está desenvolvendo duas pesquisas científicas que buscam respostas para a mitigação dos impactos das mudanças climáticas. “Ter manguezais saudáveis e preservados significa termos a tecnologia natural para lidar com os problemas que nós mesmos criamos como, por exemplo, o grande excesso de CO2 que emitimos para a atmosfera por meio da queima de combustíveis fósseis. Precisamos urgentemente tirar esse carbono da atmosfera para que o planeta retorne ao seu equilíbrio climático. O que os manguezais têm a ver com isso? Simplesmente eles são “a floresta” que tem a maior capacidade de estocar o carbono em seus solos, até mesmo mais do que a Amazônia quando falamos de armazenamento por m2. Manter os manguezais preservados significa mantermos, e até mesmo ampliarmos, a capacidade de retirar o CO2 da atmosfera e armazenar no solo”, destaca Pagliosa.
Uma das pesquisas científicas do Projeto Raízes da Cooperação, em nível de mestrado, e inédita no Brasil, está analisando o potencial de estoque e sequestro de carbono em manguezais que cresceram em áreas aterradas da Grande Florianópolis, comparando com os mesmos ecossistemas de áreas naturais. O objetivo do estudo é saber se esses manguezais acrescidos têm a mesma capacidade dos naturais em estocar carbono na biomassa do solo.
A outra pesquisa, em nível de pós-doutorado, resultará na elaboração de cenários para áreas sujeitas à inundação costeira na Grande Florianópolis, baseado nas perspectivas das mudanças climáticas. O objetivo é elaborar cenários, através de mapas, de elevação do nível do mar e cruzar esse mapeamento com os planos de ocupação territorial. A pesquisa ajudará a subsidiar estudos de vulnerabilidade e de ocupação da Grande Florianópolis.
Os resultados das pesquisas serão divulgados como artigos científicos e, também, através de um livro inédito sobre os “Manguezais do Sul do Brasil”, um dos produtos que serão lançados pelo projeto, em 2024.
Além das pesquisas científicas, também estão sendo restauradas áreas de manguezais e restingas em duas ilhas de Palhoça, após o corte de 7,7 hectares de pinus. Estão sendo plantadas 3 mil mudas dessas espécies nativas da Mata Atlântica nessas ilhas e também no entorno do Centro de Visitantes do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro.
Saiba mais sobre o Raízes a Cooperação:
O Projeto Raízes da Cooperação, executado pela Ação Nascente Maquiné (Anama), atua com pesquisa científica, restauração ecológica, mobilização social, educação e ciência cidadã, visando a conservação dos manguezais e ecossistemas associados inseridos na região hidrográfica litoral centro de Santa Catarina, que engloba os municípios de Florianópolis, São José e Palhoça. Região com maior índice populacional do estado.
Estas áreas de abrangência do projeto estão inseridas em três Unidades de Conservação: o Parque Estadual da Serra do Tabuleiro e as federais Reserva Extrativista do Pirajubaé e Estação Ecológica Carijós, além da Terra Indígena Morro dos Cavalos. Este mosaico de áreas protegidas abriga comunidades tradicionais Mbya Guarani e de pescadores artesanais. As principais ameaças a esses ambientes vêm da urbanização, de espécies exóticas invasoras, de incêndios, do aumento do nível do mar e do esgoto irregular.
O projeto tem apoio de outras instituições, entre elas, a Universidade Federal de Santa Catarina, Instituto Çarakura, Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA) e Agência de Gestão e Educação Ambiental.